O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) discute uma resolução que pode tornar obrigatório o comparecimento de pessoas flagradas com até 40 g de maconha ou 6 plantas fêmeas a um serviço público em até 30 dias. A proposta surge após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de 26 de junho de 2024, que descriminalizou o porte para uso pessoal, mantendo apenas sanções administrativas como advertência e curso educativo, e incumbiu o CNJ de regulamentar o procedimento. A votação pode ocorrer na 12ª Sessão Virtual do conselho, entre 5 e 12 de setembro de 2025.
O que está em discussão
O rascunho em debate prevê que, em flagrantes dentro dos parâmetros definidos pelo STF, a autoridade policial notifique a pessoa para se apresentar, em até 30 dias, a um equipamento público para escuta, orientação e eventual encaminhamento. Na prática, isso abre a porta para um comparecimento compulsório mesmo quando não há crime, ampliando o alcance administrativo do sistema de justiça sobre usuários de maconha.
O que são os CAIS do Ministério da Justiça
Os Centros de Acesso a Direitos e Inclusão Social (CAIS) são uma política do Ministério da Justiça e Segurança Pública, via SENAD. Seu objetivo é garantir acesso a direitos, promover inclusão social e integrar pessoas em situação de vulnerabilidade às redes públicas de assistência, saúde, documentação, trabalho e educação. O atendimento é feito por equipes multiprofissionais e por meio de ações intersetoriais com estados, municípios, universidades e organizações da sociedade civil.
Importante: os CAIS não são clínicas de tratamento, tampouco espaços de privação de liberdade. Foram concebidos para oferta voluntária de serviços e para construir vínculo, e não como mecanismo de coerção.
Porém, o envio compulsório (obrigatório) contraria o principio de um serviço voluntário e sem coerção.
Por que a proposta é criticada
- Distorção do STF – A decisão do Supremo estabeleceu respostas administrativas e educativas ao porte para uso pessoal. Transformar a logística de encaminhamento em obrigação amplia o controle estatal sobre quem não praticou crime.
- Alargamento da rede de controle – O comparecimento compulsório tende a aumentar a vigilância sobre populações já afetadas pela seletividade da política de drogas, em especial jovens negros e moradores de periferias.
- Desvio de finalidade dos CAIS – Ao converter um equipamento de acesso a direitos em destino obrigatório, perde-se a lógica de cuidado baseada em autonomia e adesão voluntária.
- Baixa proporcionalidade – Em perspectiva populacional, os danos atribuídos à maconha são menores que os de álcool e tabaco, o que torna excessivas medidas coercitivas sobre usuários.
O que dizem especialistas em saúde e direitos
Pesquisas e experiências internacionais indicam que políticas baseadas em educação, redução de danos e oferta de direitos são mais efetivas do que coerção para lidar com usos problemáticos. O cuidado forçado tende a afastar pessoas dos serviços e a reforçar estigma, reduzindo a procura espontânea por apoio.
Próximos passos
Até o momento, não há resolução aprovada. Caso o CNJ delibere pelo comparecimento obrigatório, organizações de direitos humanos e coletivos antiproibicionistas devem questionar a medida por desproporcionalidade, desvio de finalidade dos CAIS e contradição com o espírito da decisão do STF. Para descriminalizar de verdade, o caminho é informação, cuidado voluntário e cidadania – não coerção.