Recentemente, o ministro do Supremo Tribunal Federal Cristiano Zanin considerou que a lei 12.719/2013, que proíbe a realização da Marcha da Maconha em Sorocaba/SP, é constitucional e não fere o entendimento do Supremo sobre o tema e o ministro Flávio Dino votou pela inconstitucionalidade da lei, no entanto, ao fazê-lo, impôs ressalva preocupante: a proibição da participação de crianças e adolescentes, alegando haver “apologia ao uso de drogas”. Essa afirmação, além de leviana, revela um desprezo pela base científica, pelo histórico do movimento e pela realidade social do país.
A Marcha da Maconha é o maior movimento popular de rua do Brasil sobre o tema das drogas — e não é de hoje. É um movimento que atua com coerência, seriedade e compromisso com os direitos humanos. Estigmatizá-lo como promotor do uso de drogas é não só injusto, mas também um desserviço à sociedade.
É preciso lembrar que não foi o Estado, nem o Judiciário, que iniciou o avanço da descriminalização da maconha no Brasil. Foram mães. Mães que, diante da negligência institucional, lutaram para garantir o acesso ao óleo de Cannabis como tratamento para seus filhos. Elas enfrentaram preconceito, burocracia, risco de prisão e ameaças — e é graças à força delas que o debate se tornou inadiável.
Enquanto o STF se ocupa em restringir a presença de jovens na Marcha da Maconha, o Estado continua financiando, com dinheiro público, o PROERD — um programa conduzido pela Polícia Militar que promove uma doutrinação proibicionista disfarçada de educação. Inspirado em um modelo norte-americano fracassado, o PROERD não educa: ele propaga medo e desinformação, ignorando décadas de pesquisa em redução de danos. Enquanto o programa amedronta crianças com falso moralismo, a Marcha da Maconha oferece o que de fato deveria vir das escolas: debate qualificado, informação com base científica e acolhimento para as famílias que dependem da cannabis medicinal. A contradição é gritante — e revela o viés ideológico que ainda pauta a política de drogas no Brasil.
Essa hipocrisia se aprofunda ainda mais quando olhamos para as drogas legalizadas e amplamente aceitas no tecido social, como o álcool e o cigarro — responsáveis por milhões de mortes no mundo todos os anos. Ambas são substâncias psicoativas extremamente danosas à saúde pública, mas são celebradas em comerciais, patrocinam eventos esportivos e fazem parte do imaginário social como elementos de lazer e status. O motivo é claro: são sustentadas pelo lucro e pelo controle que interessam ao patriarcado capitalista. Não há preocupação real com a saúde ou com os jovens — há apenas a manutenção de um sistema que lucra com o vício de uns e a criminalização de outros.
É revoltante ver alguns ministros da mais alta Corte do país reduzirem essa luta à noção rasa de “apologia”. Falar sobre a maconha não é fazer apologia: é reivindicar política pública, reparação histórica e ciência. É justamente o silêncio, alimentado pela ignorância, que mata. A ignorância é a droga mais letal da história: é um veneno que paralisa, que impede transformações e perpetua desigualdades.
Não existe “droga do bem” ou “droga do mal”. Essa moralização do debate só reforça estigmas e desumaniza quem vive nas periferias e favelas — onde a guerra às drogas segue sendo uma máquina de extermínio, com cor e CEP. As ressalvas dos ministros, infelizmente, carregam conotações racistas e negacionistas ao desconsiderarem que a proibição seletiva sempre recai sobre corpos negros, pobres e periféricos.
Se queremos construir um país verdadeiramente democrático, precisamos parar de ter medo da liberdade. A Marcha da Maconha é um espaço de construção coletiva, de conscientização, de luta por políticas públicas e por justiça social. Negar a presença de adolescentes nesse espaço é negar a eles o direito à informação, à formação crítica e ao futuro.
A proibição não protege: ela reprime, marginaliza e mata. Já a Marcha educa, acolhe e transforma. O STF deveria estar do lado da vida, da ciência e da justiça — e não reforçando preconceitos que só interessam à manutenção da ignorância.