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Entrevista com Diego Castro: Visões e reflexões a partir de suas obras

A partir de sua dissertação de mestrado “O Movimento Social Antiproibicionista em Natal-RN: Histórias, Atuações e Espaços” (iniciada em 2014), e de sua tese de doutorado “O Autointitulado Movimento Social Antiproibicionista Brasileiro”, Diego Marcos Barros de Castro compartilha aqui princípios, metodologia e aprendizados sobre o ativismo antiproibicionista, tanto no âmbito local quanto nacional.
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Introdução

As duas obras — O Movimento Social Antiproibicionista em Natal-RN: Histórias, Atuações e Espaços (2017) e O Autointitulado Movimento Social Antiproibicionista Brasileiro (2024) — oferecem um panorama inédito sobre a construção, a difusão e a ressignificação do ativismo antiproibicionista no Brasil. Enquanto o primeiro se aprofunda na gênese local em Natal-RN, o segundo amplia o olhar para a articulação nacional, sobretudo durante o período da pandemia de Covid-19.


O Movimento Social Antiproibicionista em Natal-RN

Objetivo e Contexto

Publicado como resultado de pesquisa de mestrado em História e Espaços pela UFRN, o livro investiga como um coletivo universitário lançou as bases de um ativismo autônomo e horizontal na capital potiguar. Focalizando as seis primeiras edições da Marcha da Maconha (2010–2015), o autor mostra como, mesmo antes de o STF reconhecer sua constitucionalidade (2011), o grupo mobilizou recursos simbólicos e táticos para romper o forte estigma associado ao uso da planta.

Metodologia
  • História do Tempo Presente: depoimentos orais de ativistas que participaram direta ou indiretamente das marchas.
  • Análise Documental: cartazes, jornais locais e registros em mídias digitais (Orkut, blogs, Facebook) que serviram de “atores não-humanos” na difusão das narrativas antiproibicionistas.
  • Crítica à “História Positiva”: opção pelo anonimato metodológico para reforçar a ausência de heróis individuais e valorizar o caráter coletivo da luta.
Eixos Temáticos
  1. Estigmatização e Resistência
    Documenta o processo de ocupação de praças públicas e a negociação com autoridades municipais para garantir a segurança das manifestações.
  2. Denúncias Múltiplas
    Enfatiza que a proibição era percebida como geradora de “racismo institucional, escalada da violência e patologias sociais” — exigindo respostas que ultrapassassem o simples pedido de descriminalização.
  3. Pluralidade de Vozes
    Recupera relatos de perfis diversos (jovens periféricos, profissionais de saúde, professores), mostrando que a pauta antiproibicionista articulava classe, etnia, gênero e saberes tradicionais.
Principais Contribuições
  • Resgate sistemático de eventos historicamente dispersos, criando um arquivo sólido sobre as marchas iniciais em Natal.
  • Demonstração de que o ativismo local já era interseccional antes mesmo de se popularizar a discussão medicinal.
  • Metodologia híbrida que abre caminho para estudos de movimentos sociais em outras regiões.

O Autointitulado Movimento Social Antiproibicionista Brasileiro

Ampliando o Foco para o Nacional

Fruto da tese de doutorado em Ciências Sociais, esta obra explora a Articulação Nacional de Marchas da Maconha (ANMM) entre 2020 e 2022. Ao analisar a migração quase forçada das ruas para as plataformas digitais, o livro revela como ferramentas de videoconferência, hashtags e grupos de WhatsApp se tornaram arquivos vivos de mobilização.

Abordagem Teórica
  • Teoria Ator-Rede (ANT): reapresenta o conceito de “atores não-humanos” — protocolos sanitários, plataformas digitais, símbolos visuais — para mostrar que redes sociais funcionaram como espaços de encontro, debate e decisão.
  • Complexidade (Edgar Morin): ressalta a interdependência entre fatores políticos, culturais e tecnológicos na construção de um movimento descentralizado.
Pontos Centrais
  1. Pandemia como Catalisador
    A impossibilidade de ocupação física intensificou debates online, permitindo conexão entre ativistas de diferentes estados.
  2. Diversidade de Narrativas
    Convergência de pautas medicinais, recreativas, de redução de danos e de justiça social, mas também tensões sobre quem “lidera” — mesmo em um movimento que oficialmente rejeita hierarquias.
  3. Horizontalidade em Debate
    Embora a ANMM não reconheça líderes, “figuras de referência” emergem naturalmente, exigindo cuidado para não reproduzir dinâmicas de poder que o movimento original rejeitava.
Impactos e Inovações
  • Mapeamento de práticas virtuais que se tornaram permanentes no repertório de ativistas.
  • Discussão aprofundada sobre os riscos de co-optação por interesses empresariais em torno da pauta medicinal.
  • Proposta de reflexão sobre o futuro do antiproibicionismo num Brasil cada vez mais digital.

Contribuições Conjuntas e Legado

Juntas, as duas obras estabelecem:

  • Continuidades Temáticas: denúncia da “guerra às drogas” como política geradora de desigualdades e violências;
  • Inovações Metodológicas: combinação de história oral, análise documental e teoria de redes;
  • Horizonte de Ação: demonstração de que o ativismo antiproibicionista se sustenta na soma de espaços físicos e virtuais, sendo impulsionado por múltiplos atores e narrativas.

Entrevista com o Autor:

Fale sobre você, sua área de atuação e sobre o trabalho na Pesquisa “O Movimento Social Antiproibicionista em Natal-RN.”

Diego Castro: Eu sou um ex aluno de escola pública, nascido e criado no Bairro de Mãe Luiza em Natal RN, não vou aqui ficar falando o quanto é difícil crescer em uma periferia, ou sobre a falta de acesso, pois a realidade continua gritante, o cenário de guerra contínua violento e sangrento em toda a sociedade, além do grito da realidade existe uma literatura científica extensa que demonstra os dados estruturais das opressões infligidas às classes mais desfavorecidas economicamente. Mas quero falar que isso moldou meu caráter, é fácil lutar contra injustiças quando se sofre de injustiças. No início da minha vida acadêmica decidi pesquisar as questões étnicas do Rio Grande do Norte, já que a historiografia local alegava que não existiam mais etnias indígenas nesse estado. Minha militância, forjada ainda na juventude secundarista, ali aflorou em defesa das comunidades étnicas indígenas do RN e da mudança na historiografia local. Porém, após defender uma monografia sobre a emergência dos povos indígenas no RN, comprovando assim que a historiografia local estava errada, adentrei em um mestrado sem bolsa, o que acabou por me impedir de continuar a pesquisa, já que o campo do cenário estudado ficava distante 90 km da capital onde eu morava. Esse fato mudou a minha trajetória, tendo eu que me debruçar sobre a possibilidade de mudança de tema, nessa época já estávamos realizando desde 2010 a marcha da maconha de Natal-RN, o que facilitou assim minha mudança de tema.

Nessa época ainda era um estigma muito grande fumar maconha, coisa que essa nova geração não entende, era muito difícil botar as caras, fazer reuniões, se mostrar publicamente, negociar com poderes executivos, com forças de segurança, principalmente porque não havia ainda a decisão do STF de que as marchas eram constitucionais, fato que só o ocorreu em 2011. Como já falei na dissertação nosso grupo, incitado por aquela que viria a ser a primeira mulher trans professora de uma Universidade Federal Leilane Assunção, junto comigo e mais 4 amigos todos universitários frequentadores do setor II da UFRN, local de aulas dos cursos de humanas, criamos o Coletivo Antiproibicionista CannabisAtiva, esse grupo tinha como objetivo colocar nas ruas a primeira Marcha da Maconha da cidade de Natal e do estado do RN, esse coletivo trazia em seus discursos e narrativas pela descriminalização da maconha e por uma nova política de enfrentamento às “drogas”, que não fosse fundamentada em racismo, em escalada da violência, etc. ou seja, que não fosse estruturada pela falência da forma de política denominada como “guerra às drogas”. Ou seja, para os membros que fundaram o Coletivo de Estudantes e Demais Frequentadores do Setor II da UFRN CannabisAtiva (nome estendido que o Coletivo ganhou em 2014) , a proibição deve ser entendida como uma política que gera diversos problemas ou patologias sociais e, para enfrentá-la seriam necessárias ações em grupo e não somente individuais. Dessa forma podemos dizer que o movimento antiproibicionista que surgiu como Movimento Social, como coletivo, como Sociedade Civil Organizada, já tinha em suas bases a ideia de que nossa luta era compartilhada, que unia questões de classe, de etnia, de gênero, entendemos logo cedo que o discursos contra a proibição da maconha era um discurso contra o racismos, contra a estigmatização de pobres, contra a escalada da violência, contra o financiamento do narcotráfico, contra as opressões às mulheres, aos jovens, aos LGBT (essa sigla evolui, mas era como se chamavam na época os militantes dessa causa), contra o domínio da sintético ocidental em detrimento das medicinas tradicionais, etc. Apesar de sermos idealistas e subestimamos a capacidade em que as brigas de egos e vaidades podem corromper uma luta, sem comentar o desejo oculto de muitos por poder e fama, éramos muito organizados, tínhamos a potência da juventude a nosso favor, éramos estudiosos e muito conscientes do quadro maior que envolvia a questão da proibição da maconha. No mais, recomendo a leitura do livro gratuito que é resultado dessas pesquisa de mestrado em História e Espaços pela UFRN e conta a trajetória de 6 marchas da Maconha de Natal, espero que o público aprecie a leitura, e quem quiser pode entrar em contato comigo, sempre estou aberto ao bom diálogo.

Você considera que houveram grandes mudanças no movimento antiproibicionista na atualidade em comparação com suas bases no movimento estudantil universitário?

Diego Castro: Os avanços são repletos de recuo, os discursos ainda estão em disputas, não saberia dizer se as mudanças provocadas podem ser consideradas avanços. Mas posso falar as minhas impressões sobre essas mudanças, até a lei de drogas de 2006 era crime fumar maconha no Brasil, eu cresci em uma sociedade que julgava as pessoas que fumavam maconha, essas pessoas eram comparadas a escória social, pessoas perigosas, amorais, etc. Acredito que o movimento artístico teve muito relevância nesse período para que houvesse uma mínima mudança nesse olhar estigmatizante, as músicas da banda planet hemp ainda na década de 1990 geraram um efeito transformador nas mentes dos maconheiros dessa geração que gritavam frases como “eu não sou menos digno porque fumo maconha…” inspirados em suas letras, o movimento pela Redução de Danos também tem um papel central nessa mudança de paradigma, além da pressão dos países da América Latina sobre órgãos internacionais como a ONU para que se mude aquilo que estava nitidamente dando errado, a famigerada guerra às drogas, essa forma burra e simplória de políticas públicas para se encarar a questão do usos de substâncias psicoativas na sociedade. Hoje, o discurso medicinal tomou conta da agenda, isso foi bom por um lado, trouxe visibilidade para a questão de muitas vidas que necessitam da maconha para obter um melhor acesso a saúde, um movimento de mães, de políticos, da industria, e aí também mora o perigo, pois muitos desses novos militantes não estão nem aí para o prejuízo social gerado pela guerra às drogas, muitas dessas pessoas estão preocupadas apenas com o próprio umbigo, querem diferenciar absurdamente e sem lógica o termo maconha do termo cannabis, como se isso já não fosse um absurdo, propagam também que os antiproibicionistas são pró drogas e contra vida, ignoram a potência do usos lúdico para a saúde coletiva, querem tratar a maconha como um plutônio radioativo, criando regras e esquemas que encarecem absurdamente a produção,  esses são  muitos dos que se dizem ou se disseram nossos, mas que são na verdade inimigos infiltrados corrompendo a luta. Hoje não existe mais o estigma, não existe mais o crime de fumar maconha, até a quantidade para porte e plantio já foi estipulado para caracterizar um usuário, e eu sinto, 15 anos depois que começamos essa luta, que essas pessoas é quem estão se colocando à frente da regulamentação, são elas que se dizem líderes (já que não temos isso em nossos movimentos) de associações, de grupos empresariais, e de toda uma cadeia nefasta que hoje busca corromper aquilo que construímos por meio de tanto sangue, suor e lágrimas. Mas ao mesmo tempo vejo muita coisa boa acontecendo, muitas marchas surgindo, uma Articulação Nacional cada vez mais fortalecida, um número de referências científicas absurdo sendo produzidos, mais aceitação no paradigma da redução de danos, novas formas de incidir diretamente por meio da sociedade civil organizada na administração pública, enfim, vejo que nem tudo está perdido, mas nem tudo está ganho, como comecei falando, estamos vivendo um cenário de disputas acirradas e de mudanças que podem pender para qualquer um dos lados, cabe a nós continuarmos acreditando no que fazemos, mesmo diante das intempéries e frustrações.   

Como é pesquisar sobre o movimento antiproibicionista na universidade brasileira na atualidade?

Diego Castro: “Não saberia responder essa questão sem pesquisar sobre ela, não sei como é a vivência de outros pesquisadores no país, eu tive sorte e também construí um caminhar que facilitou as minhas escolhas. Meu orientador na história não fez a mínima objeção quando disse a ele que pretendia mudar de tema das questões étnicas para a marcha da maconha, já nas ciências sociais fui escolhido pelo meu orientador devido a proposição do tema em pesquisar as marchas nacionais. Coincidentemente a bolsa no mestrado veio após o segundo mês que eu havia mudado de tema, já nas ciências sociais, devido a minha colocação, já fui aprovado com bolsa, o que facilitou muito o período de pesquisa e de escrita do documento final em formato de tese científica acadêmica.”

Acesso às Obras

Ambas estão disponíveis em formato digital gratuito e representam referências essenciais para pesquisadores, ativistas e formuladores de políticas públicas.

Para dialogar com o autor sobre políticas de redução de danos ou colaborar em projetos de ativismo, entre em contato pelo instagram: @dr.diegocastroufrn. Também é possível colaborar diretamente através da chave pix: 48610899000190.

Autor

  • Felipe Matos

    Advogado Antiproibicionista, percussionista, desenvolvedor web, anarco-comunista!

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